Um hábito meu sempre recorrente ao discorrer resenhas é ouvir o álbum em questão a fim de estabelecer uma percepção mais fidedigna possível ao seu conteúdo. Entretanto, confesso que ouvir o décimo terceiro álbum de estúdio dos veteranos do prog metal do Dream Theater, enquanto redijo estas linhas, está sendo tarefa das mais árduas, numa luta desgastante contra uma inevitável sensação de tédio.
Antes que os fãs me ataquem com pedras, é preciso ressaltar que não sou daqueles críticos perseguidores que abusam do uso dos mesmos argumentos para menosprezar a banda. Muito pelo contrário, sou fã confesso de seu trabalho, reconhecendo e admirando o seu grande legado musical, além de já ter assistido a quatro shows da banda e ouvido até a exaustão clássicos como "Awake" e " Metroplis pt 2: Scenes From The Memory". Quem acompanha o Centurion Rock, sabe do espaço que eles têm por aqui.
No entanto, é notório o quanto o quinteto encontra-se perdido desde a saída do baterista Mike Portnoy e, que fique claro, isso não se trata de viuvez. A verdade é que o guitarrista John Petrucci, que assumiu a posição de liderança do grupo, não tem conseguido fazer com que a banda compunha álbuns consistentes e impactantes como outrora. O que mais se viu em discos como "A Dramatic Turn Of Eventes" e " Dream Theater" foi a banda procurando intencionalmente reafirmar o seu estilo, repetindo exaustivamente caminhos e fórmulas que todo o fã já está careca de saber, só que com uma dose extra de "sacarose" em melodias capazes de causar sérios problemas a diabéticos. E, por mais que tudo seja tão melódico, a sensação de plasticidade e falsidade ocorre em vários momentos.
Em "The Astonishing", o Dream Theater justificou um intervalo pouco maior de lançamento com um álbum duplo conceitual em formato de ópera-rock com intermináveis duas horas e dez minutos de audição e nada mais, nada menos do que 34 faixas. A história, formada por 8 personagens, se passa num futuro distópico no ano de 2285, sendo centrada em um grupo de rebeldes que luta contra um Império Opressor e tem na música a figura central.
A divisão da trama poderia ter sido narrada em metade das músicas e em metade do tempo, o que não quer dizer que o problema seja o tempo de duração do álbum, mas o fato dele ter sido tão mal aproveitado é totalmente injustificado. O maior diferencial do álbum baseia-se em estar permeado de músicas mais curtas e diretas. No entanto, são realmente poucas as que se destacam, e que ainda assim não acrescentam muito na carreira da banda, como: "Dystopian Overture", "2285 Entrace", "A New Beginning", "My Last Farewell", "Ravenskill", "Lord Nafaryus " e "The Path That Divides".
E porquê tanto tédio como dito acima? Por causa de sua duração? É claro que não. Um álbum mesmo de um tamanho de um LP para fluir bem no decorrer de sua audição necessita no mínimo de uma boa variedade de idéias e de uma razoável quantidade de faixas marcantes. O problema é que logo no primeiro disco de " The Astonishing", a repetição de idéias e clichês vem à tona. Ao longo de todas as músicas, é possível perceber uma necessidade forçada de se criar algo grandioso, com vários "grand finales", permeando diversas faixas de forma repetitiva. Tanto é que quando se ouve a faixa título "The Astonishing" se custa acreditar que finalmente o disco acabou.
Em defesa do álbum, muitos poderão argumentar que eles fizeram algo de diferente desta vez, que as faixas estão com duração menor, o Labrie está cantando mais tempo e interpretando oito personagens distintos ( tarefa esta que se mostra fora de seu alcance), o Petrucci está mais discreto e menos " fritador" em seus solos e etc. Entretanto, estas características, na verdade, representam uma maneira superficial que a banda encontrou de dizer aos fãs que fez algo de relevante e impactante em sua discografia.
A grosso modo, " The Astonishing" soa e muito como o disco " Dream Theater", só que num formato de uma gigante ópera-rock. As autorreferências sejam na base instrumental , nas melodias, no uso de piano excessivo nos remetem invariavelmente e, de forma mais pasteurizada, ao clássico " Metropolis pt. 2", com ecos do clássico " The Wall" do Pink Floyd.
Quanto à performance individual dos integrantes da banda, reconhecida pelo virtuosismo exacerbado de cada um deles, se apresentou de maneira mais tímida desta feita, excetuando-se pelo tecladista Jordan Rudess que, com grande destaque, contribuiu com várias camadas de teclados, sintetizadores e piano. Tudo parecia ter sido feito de certa forma para que ele e James Labrie brilhassem. Porém, o vocalista apresenta dificuldades na interpretação de oito personagens, não se mostrando versátil o suficiente para tanto. Além disso, parece que pelo menos um terço das faixas apresenta uma introdução ao piano com vocais sussurrados de Labrie ( mais uma amostra definitiva da repetição de idéias), o que realmente contribui para deixar a audição mais penosa, cansativa e enfadonha.
Já a performance do líder e guitarrista John Petrucci pode realmente desapontar os fãs. O criador de toda a trama de " The Astonishing" optou por ser mais discreto do que de costume. É verdade que há momentos de destaque em alguns solos ("A Better Life", "A New Begining"e "Our New World"), ou acompanhando o teclado nas passagens mais técnicas, mas faltam riffs poderosos, falta peso quando a música pede, falta a criatividade de alguém tão versátil, falta atitude do guitarrista que já teve momentos de maior presença quando ainda não era o líder da banda. Decepcionante para quem conhece o trabalho dele e sabe do que é capaz.
E para fechar, a cozinha. O baixo de John Myung, como já vem ocorrendo em muito tempo, reflete a virtuose desnecessária de um instrumentista que toca com o volume baixo e sem um timbre marcante e a bateria de Mike Mangini nos faz ter mais saudades de Portnoy. O baterista ainda não provou a que veio desde que entrou para o Dream Theater, tanto que ainda não conseguiu se expressar com seu instrumento. Acompanha os demais músicos, mostrando um pouco de sua vasta habilidade em raros momentos (principalmente nas faixas instrumentais), tendo seu maior destaque em "Moment of Betrayal", quando parece que lhe foi permitido participar da composição, o que acaba se refletindo em pouca diferença entre o seu trabalho criativo e o da bateria programada usada na gravação do seu primeiro álbum com a banda, "A Dramatic Turn of Events".
Para não ser completamente injusto, o álbum tem seus bons momentos e suas qualidades. Há de se reconhecer, por exemplo, o bom trabalho feito pelo convidado David Campbell nos arranjos de orquestra e coral, transmitindo com certa eficiência um clima de trilha sonora em certas passagens e, dentre alguns raros lampejos de criatividade, destaco a faixa " A New beggining", único momento que realmente me causou empolgação, com um clima à la " Leftoverture" do Kansas, trazido pelos teclados de Jordan Rudess e com um solo de guitarra realmente arrebatador de John Petrucci no fim da canção. Entretanto, é algo que se perde em meios às 34 faixas, tudo muito pouco em se tratando de Dream Theater afinal.
"The Astonishing" significa em português algo grandioso, maravilhoso, impressionante, surpreendente, embasbacante. Contudo, o álbum não faz jus a nenhuma dessas palavras. Depois de 31 anos de carreira, trocas de integrantes, incluindo a saída do líder Portnoy, fica difícil assumir que a banda já teve momentos melhores e que provavelmente não voltarão, não somente pela ausência do antigo baterista, mas principalmente pela alma do grupo, que parece ter desaparecido. Desde o álbum homônimo, os músicos já mostravam por qual caminho gostariam de seguir: o de fazer autorreferências a tudo que já haviam feito antes, e mesclar suas influências sem nenhuma inovação. E isso infelizmente vindo da banda que se destacou ao unir os elementos do Rock Progressivo clássico com a força, atitude e peso do Heavy Metal, sendo o principal expoente do Prog Metal, e que influenciou diversas bandas ao longo das décadas dentro e fora do estilo. O que é triste é perceber que muitas dessa bandas já superaram seus ídolos, não por serem melhores músicos, e sim por ousarem mais na criatividade, algo que o Dream Theater sempre fez em álbuns mais antigos e até alguns dos anos 2000. Mesmo quando cometiam erros, era na vontade de acrescentar novos elementos à sonoridade que os músicos mostravam seu valor. No entanto, a banda parece que se apegou totalmente ao passado e aos caminhos seguros, fazendo mais do mesmo em detrimento da inovação. Embora tenham resgatado mais o lado técnico e melódico, a sonoridade do grupo nunca soou tão artificial e frustrante.
Nota: 5
Wendell Rezende/ Daniel Luis
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